segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

HELENA PARENTE CUNHA

INDECISÃO
Todas as noites. a respiração acelerada. o corpo junto do corpo. A boca dentro da boca. Os braços infundindo nos braços. As pernas atravessando as pernas. As mãos incutindo espaços. O buscar de mais buscar. O corpo querendo entrar. o corpo  pronto a acolher. O arfar. A espera. A sede, a rede. A parede. O corpo querendo entrar. Um corpo que se fechando. Não. Ela se solta, ela se assalta. ela se volta. Ele revolta. Não. Desta vez ele vai para nunca mais voltar.

O conto acima faz parte do livro Cem Mentiras de Verdade, 1990, editado pela Livraria José Olympio. É um livro que contém cento e uma "mentiras de verdade", mas que ludicamente foi arredondada para cem o que acabou provocando uma ambiguidade no plano da significação devido a homofonia entre as palavras (cem/sem).

A leitura cresce em tensão, sugerindo um clímax que não acontece. Uma mulher, marcada no texto como "Ela" não consegue avançar em seu contato íntimo com um homem inscrito como "Ele". Há um interdito, uma internalização que impede que a mulher possa sentir prazer ou possa ter plena posse de seu corpo. Outros a possuem, mas não ela. Muito perto de apoderar-se de seu corpo e senti-lo sob o seu controle. Uma voz interior a faz parar. Uma voz que é dela, mas também de outro ou de tantos outros. Uma barreira psicológica se forma e aquele momento de satisfação torna-se de dor. Uma frustração que marcará a vida de ambos, mas certamente a da mulher. Sua vida resumida a apenas dores, nenhum prazer.

O conto traz questões que há muito não se discutia, não depois da revolução feminista. A virgindade está novamente sendo reconsiderada, contraditoriamente nunca tão fortemente a erotização midiática fosse tão expressiva e massificada.

Como freio a essa conduta, perigosamente, aparece a virgindade como solução para todos os males sexuais: DST's, AIDS, Gravidez indesejada, aborto, etc.  No conto, há uma denúncia sobre os malefícios psiquícos causados às mulheres pelo fato de elas não poderem viver plenamente a sua sexualidade, devido a um código baseado no discurso judaico-cristão que incutia nas mentes das meninas o ideal da pureza do corpo como um valor, a salvação do espírito. Sucumbir à carne, ao sexo, seria um passo para a condenação nesta e na outra vida, era o discurso. As mulheres construíam barreiras que inibiam qualquer satisfação de qualquer natureza, sobretudo sexual. A revolução sexual dos anos 60 marcava o início de uma nova história para as mulheres, principalmente com a pílula anticoncepcional.  

As escritoras da geração de 60, como Helena Parente Cunha, expõe os problemas vividos pelas mulheres (mas também homens) que se movimentam neste código social, ficcionalizando as experiências de infelicidade e os distúrbios psiquícos de mulheres diante das contradições que essa mesma sociedade punitiva sustentava.

Curiosamente, a minha última postagem tratou de um romance que parece reforçar esse código, ao trazer o tema da virgindade novamente como pauta e valor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário