quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Mais um poema de Maria Zita

Decanta:


Quero viver! Cantar ao som da lira
Do amôr materno a estrofe péregrina,
Enlevada nos meus sonhos encantados,
Engolfar-me na poesia-luz divina!


Sentir que estalma louca pelo Bélo
Flutua, oscila em ondas de harmonia...
Da existencia olvidar as dôres
Ascendente á região da fantasia!


La nesse mundo eternamente azul,
Palpita a vida, canta e fulge o amôr;
O sorriso é uma doce melodia
E a beleza tem a forma de uma flôr!

Mas eis que a vida se me esvai aos poucos...
- Quanto é triste do túmulo a noite infinda!
Deus! Ó Deus! Daí-me o alento que me fóge,
Quero viver! Quero cantar ainda!...
Maria Zita
Bom Jesus dos Meiras, 1942.

O tema liberdade parece ser central na literatura de autoria feminina. Neste poema de Maria Zita,  o título já sugere um gesto metalinguístico e de libertação no próprio fazer poético. O uso do ponto de exclamação insinua um entusiasmo que beira a um doloroso e impotente estado de encarceramento que contrasta com o desejo de "cantar ao som da lira". O eu-poético, que anseia por um estado que parace não ter,  acaba fissurando este interdito em outro plano no qual a poeta insere a sua escrita, numa delicada e agonizante denúncia da sua condição social, amenizada pela literatura. O eu-poético, que é também um eu que escreve o poema, disfarça, num jogo especular, a sua dor.   Os dois mundos existentes, um real e doloroso, e um outro imaginativo e mais acalentador, fazem o eu-poético "flutuar", "oscilar" e "palpitar", verbos que indicam movimento. Podemos pensar em flutuar como algo que se movimenta solto, livre de uma base, suspenso no ar ou, ainda, sem rumo, como um corpo flutunado no mar ou no ar. Já oscilar aproxima-se dos sentidos de flutuar porque sugere imprecisão, incerteza e, por fim, palpitar que nos remete ao sentido de vibração, de tremulação. Todos essas sensações não são vividas na realidade que, em oposição, aparece como bem ancorada, precisa e inerte.


A primeira estrofe produz um grito sufocado, de interditos acumulados, que aprisionam a mulher; as duas estrofes que seguem parecem expressar que o eu-poético alcança o estado de liberdade através da poesia, momento em que é permitido à mulher libertar-se de algo que a aprisiona e a deixa infeliz, e, por fim, a última estrofe quando a voz poética anseia por escrever poesia, com o tom diferente em relação a primeira estrofe, pois entra em estado de desolação e de inconformidade, perceptíveis na marca da conjunção adversativa "mas". A última parte do poema situa o eu-poético para a realidade e, por isso, diante da impossibilidade de resolver a sua situação, de ver a sua vida se esvaindo, lança-se ao metafísico em busca do alento que ela só encontra na poesia: "quero viver, quero cantrar ainda!..."

Um comentário:

  1. Sobre esse poema,e outros, da minha avó, Maria Rizério,gostaria de tecer comentários, se possível.
    Possuo os originais manuscritos e oralidade da minha mãe (filha dela)e dos meus tios e tias(filhos e filhas).
    Att.
    Paulo Rizério Mafra
    paulon.p@live.com

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